27 de fevereiro de 2011

Desacostumando acostumar

Entre o pensamento e a ação se misturam nêutrons de coisas variadas. A gente pode tudo, mas ao mesmo tempo não pode nada. Hoje eu poderia escrever um texto de minha autoria por exemplo, mas falta a "bendita" inspiração. E olha que motivos não me faltam. Me deu vontade de postar, mas faltou a manha, como se diz no popular. Foi aí que lembrei de um texto da Marina Colassanti que li pela primeira vez em 2005. E é ele que vou reproduzir aqui. Faço dela, as minhas palavras. E espero que a inspiração venha em breve...

Vamos sair das acomodações. Um 360º na vida!

A GENTE SE ACOSTUMA

Marina Colassanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.

A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.

A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

16 de fevereiro de 2011

Cruzada

Um dia atípico, uma noite agradável, num ambiente mais seu do que meu. Ao longo das semanas, eu arquitetava estratégias para poder te encarar e olhar em seus olhos (ou talvez evitar) depois de tudo. O resultado é que eu sou um desastre. Nem plano, nem atitude, nem nada. Eu apenas repeti todas as coisas e agi da mesma maneira que fui até aqui. Eu no meu castelo protegido de armas e justificativas (as mais banais possíveis), cercado por armaduras e soldados de aço, me coloquei na ostensiva mais uma vez, e nada. Parece que a nossa história está fadada as mesmas repetições, aos mesmos acontecimentos destes nossos encontros desencontrados. Você com o coração maior do mundo querendo oferecer tudo o que eu sempre quis ter. E eu, me esquivando, defendendo, contra-atacando na diagonal e escondendo por trás deste aparato de segurança. Seria fácil se fosse cartesiano, mas não é. Entre o céu e terra jorram possibilidades mil, mas por acaso ou obra do destino elas não conspiram ao nosso favor. Parabéns. Você conseguiu atravessar os muros, driblar a segurança e está com a mão na coroa. Talvez você não entenda, ou talvez nem queira mais entender. Talvez, você prefira ouvir o som daquela banda de garagem que ninguém suporta a escutar os meus lamentos. As minhas palavras se perderam, eu me perdi. Eu queria conseguir dizer pelo menos alguma coisa. Alguma coisa que eternizasse o momento, que eternizasse a fala, que sei lá, me eternizasse em você. Mas não, eu saio do ataque e volto para a zaga. É que sua presença mexe comigo, é que você está mais presente que eu imaginava, é que as coisas não são do jeito que a gente quer, porque na prática dois mais dois pode ser cinco, seis ou até sete. É questão de percepção. O perdedor sou eu, o ingrato também. Permita-me apenas reconhecer o meu erro. Não me leve a mal. Foi eu que esqueci de acrescentar alguns ingredientes do bolo, ele ficou amargo. Agora quem degusta este saboroso dissabor sou eu. O infeliz e não menos apaixonado por você.

13 de fevereiro de 2011

Alô, amizade!

O José Augusto fez sucesso cantando uma música que simplifica a necessidade do ser humano. O refrão dela é mais ou menos assim: "De que vale ter tudo na vida...De que vale a beleza da flor...Se eu não tenho mais teu carinho...Se eu não sinto mais teu calor...". Deixando de lado o teor romântico da música e aproveitando a composição do cantor, retornamos a velha máxima de que as coisas materiais não substituem as coisas abstratas, e sempre fundamentais. Quem é que não quer ter um carinho de vez enquando? Quem não quer ouvir de alguém um "Como você é especial para mim"? Quem não quer se sentir realizado naquilo que faz? Bens materias são consequências de um produto maior conhecido por muitos nomes: atenção, incentivo, carinho, companherismo e amizade. Por falar em amizade, deixo que Vinícius de Moraes conduza [e conduza de maneira brilhante] a conversa e explique essa relação que nos faz tão únicos e importantes para alguém. "Amigos = combustível que impulsiona sonhos, realizações e a vida!"

Soneto do amigo
(Vinícius de Moraes)

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

11 de fevereiro de 2011

Do conceito de mudar

E mudar significa construir uma nova história todos os dias, a cada instante. É saber falar sim e não, é escolher o que é conveniente e depois se arrepender. É acreditar estar certo, quando bem no fundo ainda existe um pouco de errado. É ter estilo para escrever um mundo de possibilidades de maneira singular. Mudar é próprio do ser humano, da natureza. Está no sangue, numa evolução sem fim. Mudemos a vida hoje, mudemos a vida amanhã e sem olhar para trás. Mudemos a vida no aqui e no agora, no hoje e no sempre, no perfeito e no imperfeito, na seleção que nos agrada, no instante que se transforma em eternidade. Se viver é mudar, mudemos todos os dias, sem medo e sem receio, sem cota e vontade. É simples: mudança sempre.