22 de junho de 2010

Com a palavra: Austregésilo Carrano Bueno

Das aventuras na adolência, o envolvimento com as drogas e a internação em um sanatório de Curitiba. Toda essas reviravoltas fizeram de Austregésilo Carrano Bueno, ou simplismente Austry, um indivíduo marcado pelas mazelas do sistema psiquiátrico nos anos 70. É com tamanha descrição dos fatos e preciosidade literária que o autor descreve em detalhes os horrores que viveu na época da internação em seu livro Canto dos Maldito. Depois que o pai encontrou um cirgarro de maconha em sua jaqueta, Austry foi mandado para um hospital pisquiátrico para se tratar e se recuperar do vício. No hospital, muito pelo contrário, presenciou e viveu uma das fases mais tenebrosas de sua vida, pois além de tomar uma série de sedativos, vivia em péssimas condições de higiene e era submetido a sessões de eletrochoques nas têmporas. Foram 21 ao total e que variavam entre 180 a 460 volts, sem falar nas injeções de Haloparidol e Tortulina que massacravam o corpo dos internos. Canto dos Malditos deu origem ao filme Bicho de Sete Cabeças, estrelado por Rodrigo Santoro e dirigido por Laís Bodanzky.

A leitura do livro chegou no momento em que eu me preparava para fazer duas repostagens para o trabalho integral da faculdade. Como pauta, as novas formas de tratamento da loucura. Em aproximadamente um mês mergulhei no mundo da loucura para pesquisar, conhecer e descobrir sobre os bastidores dos sanatórios e das residências terapêuticas, que dão lugar ao hospital e mostram muito mais eficiência no tratamento da loucura. Muitas pessoas não sabem o tamanho da proporção do problema, ou se sabem, preferem omitir. Centrei-me em Barbacena, cidade do interior de Minas Gerais, conhecida pelo clima favorável pelo tratamento psiquiátrico para fazer as reportagens. Saber das atrocidades, dos maus tratos e do descaso com que a maioria dos pacientes fora tratados, me revelou uma história que até então eu desconhecia. Vidas marcadas pela indiferença e pelo abandono. Hoje a situação é completamente diferente do passado, graças a Deus tomaram ciência da tragédia que provocaram na vida de pobres inocentes. Hoje eles vivem bem, possuem de fato uma identidade, viajam para todos os cantos e são donos de sus vida. Tudo é feito longe do hospital, em casas que eles chamam de suas e são responsáveis em ajudar a mantê-las. Conheci histórias de vidas concretas, das quais pude estrair aprendizados. Lembrei-me da fala que o Lourenzo me falava: "Mulecão, existem dois jeitos de aprender na vida: ou errando ou aprendendo com o outro. É melhor aprender com o outro." E aprendizados sobram em Canto dos Malditos. O relato de Austry permanece vivo e nos leva a uma reflexão sobre a maneira como encaramos muitas das coisas em nossa vida. Os menos favorecidos, loucos ou não, contam também com o nosso grito.

No livro, duas partes me chamaram muita atenção. Primeiro a descrição do sofrimento antes e depois de ser submetido ao choque, e segundo, em um dos momentos de recuperação do personagem que encontra na fé, principalmente em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a saída para os problemas. É emocionante, mas o desfeixo da história é surpreendente. Faço o convite para que você possa ler este livro e também possa mudar certas concepções que você tem a respeito da loucura. Austregésilo morreu em 2008 aos 51 anos vítima de um câncer de fígado. Porém, antes da sua morte foi um militante ferrenho na defesa na luta antimanicomial. Reproduzo agora, um pema escrito pelo próprio Carrano e que está numa das primeiras páginas do livro, como forma de homenagem ao autor e aos santos loucos inocentes que morreram pela negligência dos hospitais psiquiátricos nos tempos de horror:

Sequelas...e...sequelas

Sequelas não acabam com o tempo. Amenizam. Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim. Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro.

Ainda hoje, anos depois, a espera é por demais agonizante. Horas, minutos, segundos são eternidades martirizantes. Não começam hoje, adormeceram, a muito custo... comigo.

Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original. É ser condenado a morte várias vezes. Quem disse que só se morre uma vez?

Sentidos se misturam, batidas cardíacas invadem a audição. Aspirada a respiração, não é... é introchada Os nervos já não tremem...dão solavancos. A espera está acabando. Ouço barulhos de rodinhas.

A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na abertura da porta rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado, tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado... escuto parte do meu gemido. Quem disse que só de morre uma vez?

(Austregésilo Carrano Bueno - Poema das 4 horas de espera para ser eletrocutado/ aplicação da eletroconvulsoterapia)

Um comentário:

  1. Acho que o que a gente passa nessa vida só tem valor de experiência quando mexe com alguma coisa lá dentro que não é possível explicar: só passar adiante. Tomo esta postagem como fruto da sua dedicação a uma causa que é sim, muito válida. É lendo sobre o mal desse passado que, eu pelo menos, fico feliz de ver como as coisas mudaram. E como você, passo adiante. É menos um preconceito por dia, e que isso seja viral. Mais do que um bom texto, o comentário sobre o livro mostra sua relação com o mundo e eu aqui te dou os parabéns e encerro com uma frase de Hegel: "Nada de grande se faz sem paixão". Continue apaixonado pelo que você faz. E dá-lhe sucesso.

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