28 de dezembro de 2011

Ano velho

Li esse texto em meados de agosto de 2010. Na aula de antropologia, nosso professor nos presenteou com essa bela reflexão. Este é um momento propício para lê-lo novamente e compartilhá-lo aqui.

Somos como o ano velho, por isso tememos o novo (Artur da Távola)

"O que eu estou fazendo com as minhas partes que ficaram paradas? O que você está fazendo com as suas? O que estou fazendo para renovar o que há de antigo em mim, tão arraigado que até já o suponho convicção? O que você está fazendo com o que há de antigo em você, e que talvez se exteriorize com a aparência de ser o mais moderno?
Somos como o ano velho. Como um montão de anos velhos acumulados. Vivemos a repetir o que já sabemos, o que já experimentamos. Repetimos, também, sentimentos, opiniões, idéias, convicções. Somos uma interminável repetição, com raras aberturas reais e verdadeiras para o novo, do qual cada instante está prenhe. Somos muito mais memória do que aventura. Somos muito mais eco do que descoberta. Somos muito mais resíduo, do que suspensão. Somos indissolúveis, pétreos, papel carbono, xerox existencial, copiadores automáticos de experiências já vividas, fotografias em série das mesmas poses vivenciais. Somos um filme parado com a ilusão de movimento. Só acreditamos no que conhecemos. Supomos que conhecemos. Supomos que conhecer é saber.
O ser humano é feito de tal maneira inseguro que a tendência é sempre a de reter experiências e fazer da vida uma penosa e longa repetição do já vivido. O ser humano adora repetir. Ele precisa repetir, porque não está preparado para o novo de cada momento, para o fluir do todo na direção da transformação permanente. Ele é uma unidade estática e acumuladora, num cosmo mutante e em permanente transformação.

Aceitar a mudança e a transformação é ameaçar tudo o que o homem adquiriu e guarda com avareza, para tentar explicar a realidade e a vida. Mas cada vez que o ser humano usa o instrumental guardado com tanta avareza para explicar o real, este já se transformou e o que antes era eficaz, novo, “descoberta importante”, logo se transformou numa informação parcial, num mero dado da realidade. Essa é sempre grávida de transcendência.
Aí está o grande dilema: para explicar o real só temos a nossa experiência anterior, mas só é válida no momento de sua revelação. Um segundo depois já ficou parcial, relativa, incompleta. Não temos, então, instrumental de aceitação do novo e o que temos fica mais velho e superado a cada aplicação. Por isso é mais cômodo, fácil e simples para o ser humano cair na repetição do que já é, do que já sabe, do que já viveu. Ele chega a chamar isso de “conhecimento”, quando é, apenas, cristalização de um saber anterior.
Por isso o ser humano tende tanto ao conservadorismo: atingida uma conclusão, montado um sistema de interpretação da realidade, logo o ser humano se aferra a ele e, numa extensão, aplica-o a todo o real. Se o sistema é lógico, então a mente racional se satisfaz e com isso o homem se supõe portador de uma verdade. Aferra-se então a ela, passando a ser um de seus
defensores. Cria, a partir da verdade na qual crê, e passa a repetir escolas de pensamentos, doutrinas, religiões, ideologias, esquemas de interpretação da realidade, correntes, seitas, crenças, opiniões, convicções e até fanatismos. Cria uma espécie de dependência das próprias verdades. Passa de senhor a escravo. E quanto mais escravidão mental, mais sensação de liberdade.
Sim, somos viciados nas próprias crenças, dependentes das próprias verdades, toxicômanos das próprias convicções. E, como ocorre em todas as dependências, precisamos repetir nossas verdades para que não caiamos no pânico da dúvida, na ameaça da mutação. Inventamos uma pacificação ilusória e grandiloquente. Seu nome: Coerência. Coerência passa a ser uma grande virtude. “Fulano, conheço-o há trinta anos. Sempre na mesma posição. Tipo coerente está ali”. E assim saudamos alguém que parou no tempo, que tão logo ganhou uma convicção, fechou-se a todas as demais.
Assim na crenças, assim nas idéias e assim, também, nos sentimentos, nas vontades e nos hábitos. A rigor não sabemos o que estamos fazendo para renovar o que há de antigo em nós. Em geral, nada. Não me refiro ao que há de permanente, pois o ser humano é feito de permanências e provisoriedades.
As permanências (ligadas às essências) devem ficar. Mas as provisoriedades que se tornam antigas, paradas e repetitivas e que ali estão remanescentes por nossa preguiça de examiná-las ou por nossa incapacidade (ou medo) de removê-las, estas precisam ser revistas, checadas, postas em discussão, em debates e arejamento.
Assim vejo o Ano Novo. Como a esperança dessa renovação, que tem nome: criatividade. Criar é manter a vida viva. Criar é ganhar da morte. Morte é tudo o que deixou de ser criado.Criatividade é, pois, imbricado no conceito da vida. Não há como separar os dois conceitos. Vida é criação e criação é vida. Só criatividade nos dará possibilidade de solução para cada desafio do novo. As soluções jamais se repetem. Nós é que nos repetimos por medo, comodismo ou burrice. Adoramos repetir, tememos renovar, por isso tanto sofremos."

E aqui, faço um convite: Que fazer tudo novo em um ano novo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário